Você sabia que o vinho, esta bebida que faz parte da
história do homem, declamado em poesias e citado por figuras importantes
através dos tempos, tem sido tema de viagens pelo mundo? E que o número de
estudiosos, os enófilos, cresce a cada ano?
Eu
compreendo perfeitamente o motivo. Afinal, vinho também é cultura...
Como afirmou Pasteur: “Existe mais filosofia
em uma garrafa de vinho que em todos os livros.”
É possível “harmonizar” uma viagem de vinho com poesia, com pintura, com
história, com natureza, com música e claro, com gastronomia.
Conversei com profissionais atuantes no mercado de turismo,
e segundo eles, nos últimos anos, é perceptível uma evolução do
enoturismo no Brasil, seja na exigência de visita a uma determinada vinícola,
como na quantidade de brasileiros que procuram este tipo de destino. Tentamos
então, traçar o perfil deste público que
se interessa por viagens enogastronômicas. Concluímos que ele é composto por
pessoas que trabalham diretamente com o vinho como sommeliers e consultores.
Mas que, em sua maioria, são profissionais liberais e aposentados que dispõem
de maior flexibilidade nas suas agendas para viajar, e são apreciadores da boa
mesa e de bons vinhos.
No entanto, possuem algum tipo de informação sobre o
assunto, foram à palestras, fizeram cursos e participaram de eventos oferecidos
por lojas e importadoras especializadas.
Não posso deixar de mencionar aqui, aquele
tipo que se acha "expert", mas que na primeira viagem percebe que o
conhecimento no mundo do vinho é infinito.
Gosto disto, pois aguça a vontade de
saber mais e mais e de viajar mais ainda!
Um amigo me atentou para um detalhe...O grande
número de confrarias dos amantes do vinho que tem surgido em todo o país.
As
confrarias, que são muito comuns em países de grande tradição vinícola, como a
França com a Confrérie des Chevaliers Du Tastevin ou a Confraria do Vinho do
Porto, em Portugal, chegaram ao Brasil com força total. Os confreiros, assim
são conhecidos seus associados, reúnem-se com regularidade, fazem degustações,
trocam impressões e promovem viagens fechadas com seus grupos.
É o
vinho no seu aspecto social, aproximando pessoas e propiciando encontros. Este
é o ponto em que o aumento do interesse e a evolução no assunto despertam o
desejo em conhecer uma determinada região ou produtor. Mas, há também casos inusitados, como relatou
Carolina Licati, sócia-proprietária da Vidaboa Viagens. Ela diz já ter recebido
alguns casais na Borgonha, em que os homens tinham conseguido
"arrastar" as esposas para aquela viagem, e em troca elas teriam uma
semana na Champs Elysées.
Porém, assim que as mulheres chegaram à região, viram
que o enoturismo não tem nada de chato. Visitaram lugares lindos e tiveram
momentos inesquecíveis, além disso, degustando vinhos maravilhosos. Elas não
resistiram, e ao final, se renderam!
Este tipo de
acontecimento serve para comprovar que o vinho tem a capacidade de nos ensinar
a compartilhar experiências, e muitas vezes nos levando a estudar geografia,
história e até idiomas. Isto, sem deixar de falar dos seus benefícios à saúde,
já comprovados cientificamente.
Na
cultura latina é alimento, na cultura moderna virou status social. Mas na
verdade, é uma língua comum entre seus apaixonados, um idioma único com
sotaques diferentes. Quem ama o vinho aprecia a natureza e o trabalho do homem.
No Velho
Mundo, formado por países da Europa como Itália, França, Portugal e Espanha a
tradição é marcante, sendo este seu principal atrativo. E no Novo Mundo, constituído
por países como Argentina, África do Sul, Estados Unidos, Chile, Uruguai,
Austrália os protagonistas são os grandes empreendimentos e as últimas
tecnologias. Porém, estes “mundos” se complementam. neste ponto, o Brasil se destaca com uma vitivinicultura familiar, o perfil da produção brasileira.
Perguntei a um diretor de operações e consultor em
viagens enogastronômicas na agência qual seria o grande
diferencial do enoturismo em relação aos outros segmentos do turismo. Veja a
sua definição: “Para quem gosta de gastronomia e vinho, o enoturismo é uma
forma diferente e muito particular de conhecer a cultura e a história de uma
determinada região. De se aprofundar de forma concreta e prática nos costumes
gastronômicos daquele lugar. Principalmente nas regiões vitivinícolas
tradicionais do Velho Mundo, o vinho é um componente a mais dentro da gastronomia,
o acompanhante perfeito para um determinado prato. É o que chamamos de
harmonização. Os vinhos nessas regiões, quando feitos de forma tradicional
serão de acordo com os seus produtos gastronômicos e não ao contrário. Além de
ser divertido, é feito um exercício de aprendizado quando in loco se conhecem
estes aspectos. Na história e costumes dos lugares visitados sempre encontraremos
traços importantes, e a alimentação de acordo ao meio cria um desenvolvimento
cultural diferente de uma região para outra.
Enfatizando que estes roteiros
temáticos, são viagens de conhecimento e sempre têm um cunho cultural, com
visitas a museus, monumentos históricos, exposições.
E mais que isso, as
viagens enogastronômicas proporcionam vivências e experiências que aguçam os
sentidos. Provocam agradáveis e memoráveis sensações”. Finaliza.
Outro lado desta mesma história são as pessoas que trabalham com
este tipo de turismo, elas são completamente apaixonadas pelo que fazem.
Indaguei à Carolina Licati sobre uma lembrança de viagem: “São
muitas...ver as pessoas felizes, beijinhos roubados de casais maduros mostrando
que simplesmente estavam bem, felizes. Cada abraço apertado de despedida no último
dia, cada agradecimento, e promessas de retorno que se cumprem ano após ano!”
Tenho percebido que a
facilidade de viajar e o maior acesso às informações, fazem com que as pessoas
queiram um algo a mais em seus roteiros, já não basta desembarcar em belas
cidades, fotografar e voltar para casa, é preciso um plus... Como exemplo, uma visita a um produtor que compartilha não
somente o seu vinho, mas também um pouco da sua história de vida, de seus
antepassados e da paixão de pelo seu terroir.
O visitante acaba se envolvendo com lugar... É o vinho fazendo a diferença, alegrando os
corações dos homens!
Recordo-me de uma visita à Bento Gonçalves, juntamente com
outros jornalistas, quando foi exibido um filme que contava a história das primeiras
famílias que criaram a Cooperativa Vinícola Aurora, hoje a maior cooperativa vinícola do
Brasil. Ao final da exibição, eu estava em lágrimas! Olhei para o lado meio sem
graça, e me deparei com os olhos de um colega também molhados... sorrimos!
Aquela história de trabalho e dedicação havia nos fisgado. É assim, é a
linguagem da alma.
E sabe a boa notícia? As possibilidades são inúmeras e o
aprendizado idem, a fonte é inesgotável.
Algumas agências de viagens têm se especializado
em enoturismo, criando roteiros que visitam países produtores do Novo e do
Velho Mundo e mostrando ao viajante o que há de melhor nos dois mundos. Os
destinos são vários... Roteiros clássicos da Europa como a Toscana, região que
é desejo universal dos amantes de arte, arquitetura, gastronomia.
Um tour pelos
magníficos Castelos do Vale do Loire harmonizado com um maravilhoso Sancerre.
Os vinhedos do Douro, declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, considerada
uma das mais belas paisagens vinícola do mundo e uma fantástica conjunção do
trabalho do homem junto à natureza.
Na Borgonha, uma visita ao Château Du Clos
Vougeot, construção do século XII, e descobrir com os monges cistercienses como
tudo começou.
Em seguida, conhecer a Maison Parigot et Richard, e degustar o
crémant de Bourgogne, o espumante local produzido há mais de um século pela
vinícola. É muita história!
Mas, se preferir o Novo Mundo,
agradabilíssimas surpresas também te esperam, como as vinícolas boutiques de
Mendoza, onde a produção é pequena, mas os vinhos são de alto padrão de
qualidade. Outro serviço diferenciado oferecido por lá, é a gastronomia e a
hospedagem em meio aos vinhedos, considerada uma experiência completa. A
arquitetura e a natureza também são destaques, a incrível paisagem natural é a
primeira coisa que o visitante percebe. Da primeira vez que visitei a Bodega
Catena Zapata pude comprovar tal fato, e a palavra é: impactante! A visão do magnífico vinhedo aos pés da
Cordilheira dos Andes foi de tirar o fôlego.
E na agradável sede da vinícola Vistalba, uma
construção em estilo espanhol, onde também funcionam uma pousada e o
restaurante La Bourgogne, considerado um dos melhores da Argentina, a sala de
degustação chamou minha atenção!
Depois de um passeio pelo vinhedo e pela
plantação de oliveira, era chegada a hora da degustação. Fui conduzida à sala, que
ficava três andares embaixo da terra, com uma temperatura ambiente que variava
entre os 15ºC e 18ºC, naturalmente perfeita.
Lá embaixo, o arquiteto do projeto teve uma ideia que fez toda a
diferença... Deixou uma parede de cascalho à mostra, a terra árida rasgada e
protegida por um vidro. Dei de cara com as raízes das vinhas, vi que elas
buscavam água em um esforço descomunal em meio às pedras e a uma profundidade
inacreditável. Fiquei realmente emocionada! A cada experiência como essa, eu sinto mais
respeito diante de uma garrafa de vinho. Homem e natureza em plena comunhão.
Ainda
explorando o Novo Mundo, por aqui também temos história...
Uma visita à bem
preservada Colonia Del Sacramento – cidade histórica declarada Patrimônio da
Humanidade pela Unesco - coroada com degustação na vinícola mais antiga do
Uruguai, Los Cerros de San Juan, fundada em 1854. E um pouco mais adiante, na
cidade de Carmelo, a Bodega Narbona, que produz vinhos reconhecidos internacionalmente
e conta com um complexo enoturístico muito interessante.
A tentativa de ser diferente, de sempre
ter uma novidade para oferecer aos clientes, faz com que as agências
especializadas e as próprias vinícolas criem novas versões para as visitas.
Veja
só a proposta da Vinícola Matetic, em San Antonio, Chile, que além de oferecer
degustação de vinhos de excelente qualidade, também proporciona ao visitante
circuito pelos vinhedos em bicicleta ou a cavalo. Na Viu Manent, também no
Chile, o passeio é feito em uma charmosa charrete. A agência Vidaboa Viagens
criou roteiros by bike que gostei
muito, as opções de cenários são de sonhos... Passeio por vilarejos
medievais, com degustações e piqueniques no meio do caminho. Tudo sem pressa,
no seu ritmo, em contato direto com a natureza. É só escolher...Vale do Loire,
Bordeaux, Borgonha e Provence.
Eu, particularmente, adoro esta
“modalidade” de visitação. Já em
Napa Valley – Califórnia, o tour pode ser feito em um limobus. Isto mesmo, um
ônibus limousine confortável, onde o dia começa com um belo café da manhã a
bordo e taça de espumante. E na vizinha Sonoma, existe a opção de conhecer os
vinhedos voando em um balão. Pura emoção!
Outro atrativo em
alta são os cursos de enogastronomia oferecidos em inúmeras regiões produtoras,
a exemplo do chef e consultor de vinhos Jean Claude Cara. Ele mora em Beaune, e
criou um curso com 3 horas e meia de duração para o visitante que desejar
conhecer os segredos dos vinhos e da culinária da Borgonha. Uma verdadeira
imersão nos aromas e sabores locais.
E então, ficou motivado a pensar na sua próxima viagem
enoturística?
A
tradição da Borgonha e a máxima expressão da Pinot Noir, as
paisagens coloridas da Provence celebradas com seus refrescantes rosés, Bordeaux
e seus châteaux, as belas caves de Ribera Del Duero com seus tintos
concentrados e elegantes, o luxo da Champagne e do champagne, as casinhas de
boneca na Alsácia e a sua Riesling, a gastronomia no Piemonte e seus potentes Barolos,
as idílicas praias de Eastland - Nova Zelândia lugar da Chardonnay, as colinas douradas
de trigo da Toscana, a Cordilheira dos Andes como testemunha, as belas
paisagens do Alentejo e seus castelos, a trilha dos queijos e vinhos em Barossa
Valley - Austrália, o Vale dos Vinhedos com sua cultura italiana no sul do
Brasil...
Qual desses destinos ”harmoniza” com você?
E fica a dica, o vinho é o melhor lugar para se
encontrar amigos!
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